Bordão
“Que maravilha!” costuma exclamar Pe.
Zezinho ao reconhecer uma atitude simples de pessoas que o circundam. Apesar de
simples, a atitude carrega positividade, que encanta. Em outros momentos, demonstra uma pitada de
ironia seguida de uma gargalhada para desanuviar o fio de malicia contido
intencionalmente na frase. Gosto de identificar tal significado diluído no
contexto de uso da fala.
O interlocutor ao perceber o segundo
sentido, poderia, com todo respeito ao clérigo, replicá-lo: “tu é doido,
doido!” tal ênfase geraria, com certeza, longas gargalhadas e aproximaria ainda
mais os falantes, o ambiente ficaria mais leve e a socialização fluiria nas
segundas intenções. Assim, com este elo “de paladar de pensamento”, haveria
repetidas lembranças do momento irônico e as pessoas se manteriam brincalhonas
e alegres por mais tempo, o que seria “muito bom! Muito bom mesmo!”.
Caso o interlocutor não entendesse a
má intenção, poderia estranhar ao expressar um “êh êh, num tô entendendo!” e
seguia de um tempo de silêncio para acentuar a incompreensão. Isto é possível
devido à distração; ou talvez seja uma habilidade do interlocutor ao devolver a
fina ironia ao se fazer de desentendido. Tudo pode acontecer, pois “na terra de
sapo, de cócoras com ele!”.
Ao falar em terra, Balbino usa a
ironia às avessas e direta com a palavra “fula”. “Os fulas” da vida, no dizer
de Balbino, seriam os cabras fracos, frouxos, desengonçados que não teriam coragem de enfrentar a vida como ela
exige; Sua expressão facial combinava bem com a prosa. Ao se aproximar da casa
de Filoca, nas terras de Bela Vista, já gritava “êh fula, tu ainda é macho
mesmo?” A partir daí o tempo se fechava: investidas sutis e maliciosas,
revides, gargalhadas marcavam o momento entre os dois vizinhos e amigos, ambos
já idosos.
De longe ou de perto, prestava
atenção no jeito singular de eles conversarem, de levarem vida na brincadeira,
de driblarem as tristezas, as angustias, os medos com seu antídoto: a alegria.
Um modo sábio de viver é a sincera
amizade, essa lição valiosa eles nos legaram.
Outro homem bem quisto era Manoel
Portela. Ele próprio dizia que em Presidente Vargas, o sujeito deveria se livrar
de três coisas: “da carroça de Macaíba, da sacola de Lindoca e da língua de Manoel Portela”. Na percepção
de Manoel, Macaíba punha na carroça tudo que lhe interessava: areia, pedra,
tijolos, madeira; Lindoca, negra bem querida na cidade, por sua vez, era sempre
vista com uma grande sacola de pano que ela mesma costurava. Nela cabia tudo o
que lhe dava: presente, roupa para consertar, folhas e raízes para garrafadas e
até comida; já o Sr. Manoel, tinha uma
voz mansa e gostava de tricotar a vida de todos que seus olhos alcançavam.
Depois de comentários, muitos deles espirituosos, sobre quem ele nomeava, dava
uma gargalhada sarcástica para encerrar o assunto.
Diferente do “Confusão”, apelido dado
a um compadre, o “Espalha Brasa”, um irmão-compadre, era espalhafatoso, um
“fula” no sentido literal. Numa determinada ocasião de desentendimento, trouxe
para o meio da rua, mesa, radiola, televisão e outros objetos a mais e ateou-lhes fogo, pegou uma cadeira, sentou
perto, não sei se com uma espingarda nas pernas e contemplou as labaredas consumirem o que com muitos esforços foram
comprados. Dessa atitude herdou o apelido.
Noutra direção, um saudoso “poeta”,
ao lembrar o seu tempo de juventude, num povoado que sempre frequentara nos
tempos de fartura e de moças bonitas, da representatividade sócio-político
local, e numa visão aeroespacial, bradou: ”Quem és tu, Gaiolinha?”, para
denunciar a situação de abandono do poder público. E lembrando as épocas de glória, bradou novamente: “Quem foste tu,
Gaiolinha ?”, “Quem foste tu...”
Esse eco ainda ressoa nas terras dos Daréo, que já produziu muita “gente boa” que marcou a
História, um deles é o “filósofo” negro da esperança, homem de muitas prosas,
anedotas, resenhas, causos, pilheiras. Uma das prosas que lhe causavam sentimentos
contraditórios era quando falava de sua primeira mulher, um amor vivido com
alegria, intensidade, completude. Falava
alto, ria e chorava com frequência; e
sempre, mas sempre mesmo, em geral nas mesas de bar, levantando o braço direito
e com o indicador riste, concluía suas histórias com o famoso bordão “Quem viver, verá!”, “Quem viver, verá!”
dizia Moraizão.
JORNALISTA JOSINALDO SOARES REGISTRO:0001662/MA
FONTE: PROFESSOR J. ATAILSON.